Em 1998, minha
vida era uma mistura de novidade e porcaria. Tinha acabado de ser efetivada na
Secretária de Educação, fazia faculdade e pela primeira vez em muito tempo via
que o chão sobre os meus pés não tremia, pelo menos financeira e
profissionalmente. Mas ao mesmo tempo minha vida pessoal e sentimental estava
uma droga. Gostava de um cara que nem sabia que eu existia, minha auto-estima
estava arrastando no chão e tinha engordado horrores. Enfim, subir no banquinho
e pular era fácil. Mas, embora minha alma estivesse em frangalhos nunca fui de
desistir e todos os dias eu levantava, tomava meu banho, me arrumava, ia
trabalhar e no final do dia, aula. E foi exatamente na faculdade que encontrei o
que eu precisava pra colocar, se não minha vida, pelo menos minhas emoções
e meu interior nos eixos.
Um belo dia,
encostada na mureta em frente à sala de aula, vi uma colega sair de uma sala
que ficava em frente a minha, ela parou, nós conversamos e curiosa perguntei de onde ela vinha. Minha colega me explicou que ali era o setor de
psicologia da faculdade e que os alunos tinham atendimento gratuito, caso
quisessem fazer terapia. Não pensei duas vezes; entrei e marquei uma hora, a
sessão ficou marcada pra dali uma semana e esperei ansiosamente. No dia
marcado, lá estava eu e minha ansiedade foi vencida por minha surpresa ao ver o
psicólogo, que numa palavra era um GATO!!! rsrsrsr Passado a surpresa inicial
começamos a conversar, quer dizer, eu falava ele escutava e foi assim em todas
as sessões.
Aprendi muito
com o Celso, ele como eu era direto e não mandava dizer. Parecíamos dois homens
da caverna discutindo a relação; e foi ali, sentada e olhando para aquele homem
lindo que descobri muito de mim, impus limites à família e finalmente fechei a
porta (literalmente) do meu quarto quando queria um pouco de privacidade. Comecei
aprendendo a dizer não e o mais importante de tudo: virei mulher, um ser
feminino com desejos, vontades e características próprias. A primeira vez que
me maquiei e saí na rua às três da tarde com rímel, lápis, sombra e batom tinha
a sensação que todo mundo me olhava. Foi um sentimento horrível, mas ao mesmo
tempo libertador.
Foi na terapia
que vi o quanto era especial em ser filha única no meio de quatro homens, de
ter um guarda roupa e um canto só pra mim.
Mas faltava
uma coisa; eu sempre fui grandona e meio desajeitada, sempre fiz esportes de
força e velocidade, handebol, natação, capoeira. Não era nem um pouco feminina.
Resolvi que queria dançar e comecei a procurar uma dança que eu gostasse e
sentisse afinidade. Me encontrei na dança do ventre e ela me suavizou. Lembro que a
professora perguntou para todas as meninas na primeira aula, por que
elas haviam escolhido a dança do ventre; muitas responderam porque era uma
dança bonita e sensual, outras para impressionar maridos e namorados, algumas
por indicação médica e eu calada no meu canto. Ela então se virou, olhou pra
mim e perguntou:
− E você, por
que você está aqui?
No que eu
respondi:
− Eu sempre
fui grande e desajeitada e não me acho feminina, eu acredito que a dança do
ventre vai me dar uma leveza que não tenho e me tornar mais mulher.
Ela sorriu e
disse: − Você está no lugar certo e pelas razões corretas.
O resto é
história! Era uma delícia se arrumar pra ir pra aula. Emagreci, aprendi a me
maquiar, arranjei um namorado na academia, conheci um monte de gente, aprendi
uns passos básicos e de quebra fui me transformando na mulher que sou hoje.
Um caso a parte nisso tudo eram as músicas que dançávamos, lindas, maravilhosas. Cada uma com uma característica diferente e para cada ocasião um som diferente. Tenho vários cds, dvs e até fitas em VHS! Ainda hoje ouço e saio dançando pela casa. Não
virei uma bailarina, mas, conheço os movimentos e muitos artistas da cena
árabe. Entre elas, uma bailarina maravilhosa chamada Soraia Zaied. Se fosse pra
ser alguém diferente de mim, queria ser ela.
Uma
das características da Soraia é que ela sempre dança de sapatos altos. A única
concessão feita a isso são as músicas folclóricas onde a bailarina
obrigatoriamente dança descalça. Ela é tão famosa e competente na cena árabe e
de dança do ventre que o cantor e compositor Tony Mouzayek, fez uma música em
sua homenagem chamada Dança para Soraia Zaied. Ela ainda foi capa de três cds
do cantor.
Soraia
reside agora no Egito, onde está casada e tem um show permanente em um hotel 5 Estrelas
da cidade do Cairo.
No
vídeo, ela dança uma modalidade chamada Derback; caracterizada pelos solos de
percussão, movimentos rápidos e muitas quebras de quadril. Lindo de se vê,
fôlego de maratonista pra dançar.
bacana o texto, Polete!
ResponderExcluirVc sabe descrever muito bem seus pensamentos e emoções em palavras.Parabéns por manter o interesse do leitor e se abrir tão abertamente. Não imaginei que vc passou por tanto.
ResponderExcluirbjs
Isabel